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Amamentar: mais do que um ato de amor, um ato político

Amamentar: mais do que um ato de amor, um ato político
Babi Stainsack
ago. 10 - 8 min de leitura
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Eu passei a semana inteira pensando se havia algo que eu gostaria de postar nas redes sociais sobre a Semana Mundial de Aleitamento Materno.
Hoje cheguei a conclusão que sim.

Um misto de preguiça com um tanto grande de detalhes que só quem é mãe recente pode entender.
Quem se tornou mãe há mais tempo com certeza já se esqueceu um pouco dessa fase e quem ainda não é mãe, a não ser que tenha convivido com uma mãe muito próxima, não tem a menor ideia da empreitada, batalha, guerra, luta, que é amamentar.

As mães das mães atuais são de uma geração que saía da maternidade com uma prescrição de leite artificial, embasada em argumentos da "ciência" da época e em um grande jogo de interesses das indústrias (que permanece em vigor). As mães das mães das mães, quando se tem o privilégio de ainda tê-las presentes participando da vinda dos bisnetos, lembram muito pouco e as que lembram, podem quem sabe ajudar uma recém mãe dos tempos atuais a amamentar, isso ainda a depender muito da cultura em que foram criadas.

Hoje existe uma forte bandeira em prol da amamentação, sabe-se que o leite materno é o melhor alimento da face da Terra. É muito contagiante para uma mãe desejar amamentar, o problema é que atualmente não somos criadas pra isso.

Somos mulheres independentes, estudamos, trabalhamos, batalhamos, imos e vimos, bancamos nossas vidas e nossas escolhas. E de repente, para que possamos amamentar um filho/a que acaba de nascer, tudo isso é tirado em um único golpe de nós, em meio a um turbilhão psicológico e hormonal que um puerpério causa.

Não vou entrar em detalhes do porquê e como essas coisas são tiradas da gente quando escolhemos amamentar e manter a amamentação prolongada, muito menos sobre como isso começa já na gestação, não vem ao caso.
Alguns apontariam soluções, falariam da rede de apoio e blá blá blá. Peoples, pelo menos dessa vez vamos abandonar as receitas de auto ajuda e vamos olhar para a situação humanamente e como ela é. Foda. Foda pra caralho.

Amamentar exige uma entrega absoluta. Principalmente a uma única necessidade para que se faça possível: conectarmo-nos com nosso ser mamífero selvagem e primitivo e com a cria que acabamos de parir. Sobre o amamentar não dá pra usar palavras românticas. É isso. Sabe uma cadela, uma gata, uma vaca que acaba de parir e o filhote simplesmente mama? Não é assim tão simples, pelo menos não para boa parte das mulheres que conheço. E conectar-se com essa parte de nós não é "bonito" como entende a sociedade atual.
Exige que os hormônios fiquem ainda mais a flor da pele, exige que nossas respostas aos diálogos sejam bem pouco racionais, exige privação de sono e exige conviver com o medo: e se eu morrer ou adoecer? Como meu filho/a vai se alimentar?
E em meio de uns 3 ou 4 familiares na maior das melhores boas intenções, com a barriga cortada ou pontos no períneo, um bebê que chora e esse som tocando igual a um alarme de incêndio na nossa cabeça (pois essa é a única maneira praticamente de se fazerem atendidos), com poucos meses ou até mesmo dias, ainda se exige dessa mãe ouvir asneiras e perceber dedos tortos apontados, culpando a amamentação sobre algo qualquer que nem deveria ser mencionado e, menos ainda, problematizado. Afinal, bebê que nunca chora e está o tempo todo saciado e quietinho simplesmente não existe, por mais que nossa vã expectativa assim o projete.

E o que dizer da amamentação prolongada?

Bateu 6 meses da cria e o inferno continua.
Racionais e burros que viramos nesse mundo, sejamos os pais ou não deste bebê, encasqueta-se que tem um interruptor e ao ligá-lo, automaticamente a criança passa a comer comida e não precisa mais mamar.

Quando chegar o primeiro aninho de vida, ai desse bebê, ops, quer dizer, criança (pois afinal já "tem que" chamar de criança, não é mais bebê) se "AINDA NÃO ESTIVER COMENDO DIREITO"... "Mas claro, culpa da mãe que deixa mamar o tempo todo, lógico que não vai querer comer..."

Por mais que pediatras digam que leite materno não atrapalha alimentação, por mais que haja estudos e mais estudos comprovando que o que a mãe ingere não causa cólicas no bebê (com raras exceções), por mais que a OMS (Organizacional MUNDIAL da Saúde) recomende a amamentação até no mínimo os 2 anos de idade, por mais que se comprovem os benefícios da amamentação, só quem vive e amamenta sabe o tamanho da luta que é segurar a onda de uma sociedade que está sempre nos forçando, de uma forma ou de outra, ao desmame.

Uma mãe que amamenta precisa de muita ajuda com os afazeres da casa e demais cuidados do bebê, precisa de muita compreensão para que possa retomar e continuar sua vida profissional, precisa de muito acolhimento para que volte aos poucos a ser mulher contemporânea no lugar da mulher selvagem que precisou se tornar.

O que relatei são só observações pontuais de um vasto tema.
Isso sem nem passar perto de questões como viver a angústia de uma possível confusão de bicos por uso de bicos artificais (chupeta ou mamadeira), o trauma vivido pela mãe ao acontecer um desmame não desejado, dores físicas, falta de informações, mudanças nos relacionamentos, desconforto ao precisar amamentar em locais públicos, etc etc etc, a lista é imensa.

Certo ou errado dar mamadeira? Nenhum dos dois.
Certo ou errado amamentar ou permanecer amamentando? Nenhum dos dois.

Sabe porquê? Porque cada família vai encontrar o seu jeito de seguir adiante e É ISSO QUE DEVE SER SEMPRE RESPEITADO. Queremos ser tratados como únicos que somos mas somos os primeiros a querer padronizar os cuidados de um bebê conforme nossas crenças, vivências e informações e por consequência, PRECONCEITOS.

Por mais que a nossa vontade seja de ajudar ao colocar uma opinião, esse tema é muito delicado. Já bastam os olhares de todos ao redor de uma mãe dando mamá ao seu bebê, seja no seio ou na mamadeira.

Pense que de repente, de um dia para o outro, todos passam a olhar, monitorar, perguntar sobre o que você está comendo, quanto, de quanto em quanto tempo e como. Como você se sentiria?
E quando esses questionamentos passam a ser referente ao ser humano que você mais ama na face da Terra e que depende inteiramente de você para se manter vivo?
Difícil não deixar a fragilidade bater na porta, muito difícil, para não dizer impossível.

Por tudo isso e mais um pouco, amamentar, para mim, é muito mais do que um ato de amor, é um ato político. Há que se ter muita rebeldia para encarar todos os desafios, bater no peito e seguir adiante dia após dia.

Em algum momento, que não sei ainda se logo ou distante, a fase da amamentação fará parte do meu passado como mãe.
Mas hoje, sem dúvida, para mim foi e é a coisa mais difícil que já fiz na vida. Com certeza nunca mais vou olhar para uma mãe amamentando, seja no seio ou na mamadeira, da mesma forma. Mas tenham certeza que quando olhar, procurarei ser muito discreta e desejarei do fundo do meu ser muita força, amor incondicional e luz para essa mãe. É mais disso que eu acredito que a amamentação e o mundo precisam.


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