Lênia Luz
Lênia Luz
Você procura por
  • em Publicações
  • em Grupos
  • em Usuários
VOLTAR

Documentário contará trajetória de seis mulheres negras que entraram para política

Documentário contará trajetória de seis mulheres negras que entraram para política
Lênia Luz
abr. 24 - 8 min de leitura
000

Éthel de Oliveira não conhecia a trajetória de Marielle Franco até o dia do assassinato da vereadora do PSOL , eleita com mais de 46 mil votos.

Desacreditada da política institucional, voltou sua vida para a atuação em movimentos sociais, oferecendo aulas e oficinas de audiovisual, sempre pautadas pelos direitos humanos, das mulheres e da população negra. Ao saber da morte da parlamentar, Éthel se conectou primeiramente com a dor coletiva e reconheceu em Marielle uma semelhante. Poucos meses depois, não titubeou em aceitar o convite da diretora Júlia Mariano para codirigir “Sementes”, documentário sobre o levante de mulheres negras na política após a execução da vereadora, que está em fase de edição e deve ser lançado em agosto. A maioria da equipe é composta por mulheres. Além de Éthel e Júlia, fazem parte do grupo Helena Dias (roteirista e produtora), Marina Alves (direção de fotografia), Lumena Aleluia (corroteirista), Irla Franco (som direto), Mariana Penedo (montagem) e outras.

 — Não é um trabalho sobre Marielle, é a partir dela. O que fez meus olhos brilharem ao receber o convite foi poder fazer o registro da memória. Onde estão os filmes documentários da Benedita da Silva (ex-governadora do Rio), da Leci Brandão (a primeira mulher a participar da ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira e ex-deputada estadual por São Paulo), da Jurema da Silva (ex-deputada estadual do Rio), de Antonieta de Barros (primeira deputada negra eleita no país, por Santa Catarina)? Esses filmes não existem, mas tem vários sobre (os ex-presidentes) Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek, (o ex-governador) Carlos Lacerda, sobre os homens brancos na política. O nosso problema de representatividade é fundamentalmente um problema de memória — afirma Éthel.

“Sementes” surgiu a partir de uma ideia de Helena Dias, moradora de Laranjeiras. Em abril, cerca de um mês após a morte de Marielle, ela notou que muitas mulheres negras começaram a se candidatar a cargos políticos. Uma pergunta não saía de sua cabeça. Afinal, quem eram aquelas mulheres que queriam ocupar o mesmo lugar da vereadora executada? Apresentou seus questionamentos a Júlia; depois de uma pesquisa, elas perceberam que nascia ali um novo momento da política no Rio e em todo o país.

Com equipe majoritariamente feminina e de metade negra, o documentário observacional acompanhou, portanto, o dia a dia da candidatura de seis mulheres: Talíria Petrone (PSOL), eleita deputada federal; Mônica Francisco, nome forte da igreja evangélica progressista; e Renata Souza, chefe de gabinete de Marielle, ambas eleitas para a Assembleia Legislativa do Rio pelo PSOL; além de Jaqueline Gomes de Jesus (PT), professora que combina pautas de transfobia e políticas afirmativas; Rose Cipriano (PSOL), professora e moradora da Baixada Fluminense; e Tainá de Paula (PCdoB), que teve campanha pautada na luta por habitação popular. As três últimas concorreram ao cargo de deputadas estaduais, mas não se elegeram.

Contribuição voluntária

A urgência do momento e a efervescência de atos e campanhas das candidatas davam um recado direto: ou começavam as filmagens ou tudo passaria mais uma vez sem ser registrado. As equipes foram às ruas, com seus próprios equipamentos, sem patrocínio ou apoio. Gravaram diariamente entre os meses de setembro e outubro do ano passado. O longa também conta com algumas imagens feitas pela diretora Júlia Mariano no dia do velório de Marielle Franco. Agora, em fase de montagem e edição, o filme está inscrito em um site de colaboração voluntária (benfeitoria.com/filmesementes) para arrecadar verba para pagar todas as pessoas que estão trabalhando sem remuneração e acelerar o lançamento. O prazo de doação para a primeira fase, de R$ 25 mil, é até o dia 13 de maio.

— Percebi que era um contexto histórico, em que as mulheres estavam saindo da militância e migrando para a política institucional. Vi que eram mulheres extremamente tenazes, resilientes e corajosas. Fechamos em seis, por limitação de grana, porque poderia ser, facilmente, uma série em todo o país. Minha ideia veio justamente daí. Quem são essas pessoas que se recusam a desistir? Ao mesmo tempo, fomos pesquisando uma equipe porque não achamos interessantes nós, como mulheres brancas, falarmos desse assunto sozinhas sem ter outras mulheres negras conosco — conta Helena Dias.

Responsável pela fotografia, Marina Alves afirma que o olhar feminino e negro foi fundamental para a construção do filme.

— Minha avó foi proibida de ser cantora. Até hoje, na minha área, a maioria dos fotógrafos é homem. Esse filme só faz sentido com esta equipe porque o nosso olhar é contagiado pelo que nós vivemos — diz.

A psicóloga Lumena Aleluia, que assina o roteiro com Helena, complementa:

— No audiovisual, conseguimos fazer disputas simbólicas e narrativas que abrem caminho para outras mulheres negras ocuparem esse espaço. É o que temos em comum com as candidatas. Elas entendem o risco de ocuparem aquele lugar de poder, sofrem, mas mesmo assim abrem mão de muita coisa em prol do coletivo.

Para a deputada federal Talíria Petrone, o cinema e a arte em geral são maneiras de dar visibilidade a lutas silenciadas ao longo da História. Esse foi um dos motivos para aceitar participar de “Sementes”.

— O convite para participar veio em um momento de retrocesso democrático que avança sobre os corpos negros.É importante colaborar para toda arte que é resistente. Quando você não tem memória, esquece as dores do passado e as pessoas que lutaram para enfrentar as violências. Com a execução de Marielle, houve uma ampliação de indignação, porque ela era a voz que denunciava as violações ao povo negro e favelado. Quando essa voz é silenciada, provoca um sentimento de urgência. É o que nós mulheres negras sentimos — explica a parlamentar.

Com trajetória no cinema documental, Júlia Mariano, que estudou audiovisual em Cuba, tem entre seus trabalhos o roteiro de “A batalha do passinho”, escrito em parceria com Emílio Domingos, e a direção e o roteiro do curta “Ameaçados”, sobre violência no campo. Ela acredita que filmes de produção independente, como “Sementes”, são importantes para apresentar à população narrativas diversificadas das mostradas pelo cinema comercial.

— O cinema de guerrilha, o cinema independente possibilita a construção de narrativas amplas que apresentem possibilidades de mundo. É uma forma de buscar novos olhares, num momento onde as diferenças são tão pouco aceitas. E isso tem muito a ver com as narrativas das mulheres negras, que são grande parte da população brasileira, mas que mal foram registradas — afirma Júlia.

A deputada eleita Mônica Francisco segue pelo mesmo caminho. Para ela, “Sementes” provoca a sociedade ao mostrar o corpo feminino negro em lugares decisórios, como a corrida eleitoral, e consolida a luta das mulheres negras no país.

— O feminismo negro no matriarcado africano fala de coletividade, da inclusão de todas e todos. Espero que o filme ajude a consolidar a representatividade como algo importante na efetivação das políticas públicas e projetos de lei, que interferem na vida das pessoas. É sobre representatividade, resistência e resiliência — diz.

No ano passado, o Rio foi o estado que mais teve mulheres negras candidatas a cargos políticos. Ao todo, 141 concorreram ao cargo de deputada estadual, mas apenas seis foram eleitas. Embora não tenha conseguido um lugar na Alerj, Jaqueline Gomes de Jesus afirma que o filme vai conseguir mostrar os impactos da participação das mulheres negras na política.

—Eu e Tainá (de Paula) não conseguimos furar essa barreira da política machista, racista e LGBTfóbica. O filme faz pensar como essas sementes que a Marielle deixou estão lidando com esta realidade — questiona Jaqueline.

Fonte da matéria: AQUI 

Imagens:  Bruno Kaiuca / Agência O Globo

 

 


Denunciar publicação
    000

    Indicados para você