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Empresária cria agência de intercâmbio que valoriza a cultura negra

Empresária cria agência de intercâmbio que valoriza a cultura negra
Lênia Luz
mai. 2 - 8 min de leitura
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Fonte: Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios. 25.04.2019. Bruna de Alencar

Sauanne Bispo é a criadora da Go Diáspora, que leva os clientes para aprender inglês pagando menos em países da África, Caribe e América do Sul.

Ensinada desde criança a valorizar a história e a cultura negra, a empresária baiana Sauanne Bispo, de 33 anos, não entendia a baixa procura dos estudantes brasileiros por conhecer a cultura negra desses países.

Para ampliar os horizontes do público e oferecer pacotes de intercâmbio mais baratos, ela criou a Go Diáspora, agência de intercâmbio especializada em destinos da chamada diáspora africana, composta por países da África, Caribe e América do Sul.

O momento é oportuno para agências de intercâmbio. Apesar da crise econômica dos últimos anos, em 2017 o Brasil atingiu a marca inédita de 302 mil estudantes fazendo algum programa educativo mundo afora — 23% mais do que em 2016, segundo um levantamento feito no ano passado pela Belta (Brazilian Educational & Language Travel Association). Mais da metade desses brasileiros escolheu Canadá, Estados Unidos, Irlanda e Inglaterra.

Para Sauanne, o brasileiro evita viajar para a África por medo da criminalidade — mesmo quando esse receio não encontre amparo nos indicadores de violência. Apesar de enfrentar diversos problemas de desenvolvimento, o continente africano tem ilhas de tranquilidade.

De acordo com um relatório do Fórum Mundial de 2017, Ruanda ocupa o 9º lugar no ranking das nações mais seguras — à frente de países dos sonhos do turista brasileiro, como Portugal (11º) e Canadá (23º). “Não é a tranquilidade que é levada em consideração pelo brasileiro, é a popularidade desses destinos. Caso contrário, o Egito, que ocupa a posição 130 no ranking de segurança, não seria um dos destinos africanos mais visitados. O que faz com que o brasileiro não visite outros países do continente africano é a desinformação”, diz Sauanne.

Ao combinar turismo mais barato e afirmação da cultura negra, a Go Diáspora busca um nicho com poucas alternativas — uma delas de nome bem parecido, o serviço de casas compartilhadas Diáspora.Black.

Em fevereiro, a quantidade de semelhanças aumentou. Em 2018, a Diáspora.Black foi uma das dez startups escolhidas para participar do Estação Hack, programa de aceleração feito pela Artemísia com o Facebook, durante seis meses. Agora, em 2019, a Go Diáspora conseguiu a mesma façanha, após superar cerca de 1,2 mil concorrentes.

Mudança de rumos
Dona de um inglês de pronúncia impecável e com mais de 30 carimbos no passaporte, Sauanne é uma cidadã do mundo, que já morou nos Estados Unidos e na Índia. Mas nem sempre foi assim. A experiência com intercâmbios surgiu de modo tímido e sem a ambição de virar um negócio.

A primeira vez que Sauanne cogitou estudar e trabalhar fora foi durante a graduação em estatística, na Universidade Federal da Bahia. Após voltar de viagem aos Estados Unidos, uma professora comentou sobre um projeto que recrutava jovens para trabalhar na Disney. A possibilidade era vista com bons olhos não só pela oportunidade de estar no parque diariamente, mas também por exercitar o inglês — um dos pré-requisitos para o programa de mestrado em econometria, que ela sonhava em fazer.

Sem dinheiro para o intercâmbio, a mãe de Sauanne pediu um empréstimo de cerca de
R$ 4 mil no banco para financiar a viagem da filha. Mais interessada em estudantes de turismo, hotelaria ou comunicações, a Disney dispensou a menina.

Mas a menina não dispensou a ideia de ganhar fluência em inglês, e optou por uma empresa que a aceitasse. “A expectativa era trabalhar na Disney, mas acabei num McDonald’s em Louisiana”, brinca Sauanne. “Acabei optando pelo restaurante não tanto pela empresa, mas sim pelo estado americano, que tem uma cultura negra forte. Por isso eu digo que a Go Diáspora nasceu com a minha vivência, porque em diferentes momentos da minha vida eu sempre busquei estar perto das minhas origens. Eu acho muito importante você se identificar nos outros. Estar em um lugar onde eu fosse a única negra não me proporcionaria isso”, afirma.

A temporada em Louisiana foi a primeira das experiências que Sauanne teve com intercâmbio. De volta ao Brasil, buscou programas que a levassem novamente ao exterior, como trabalhar servindo os passageiros de um cruzeiro na Europa por nove meses ou estagiar na Africare — ONG de fomento ao desenvolvimento de países africanos com sede em Washington, nos Estados Unidos.

O que parecia apenas uma chance de alavancar a carreira com uma experiência acadêmica se tornou o primeiro grande insight para a criação da empresa.

Em Washington, Sauanne se viu cercada de negros que não só conheciam as próprias raízes, mas se dedicavam a combater o preconceito e a desinformação sobre a África e os descendentes de africanos espalhados pelo mundo. “Eu me lembro de olhar surpresa e maravilhada, enquanto pensava: as pessoas precisam ver isso.”

Tentativa e erro
A primeira tentativa de tirar a ideia do papel surgiu em 2015 com a Go Intercâmbio, na região de Feira de Santana, na Bahia. O investimento inicial, de R$ 10 mil, não teve retorno financeiro.

A agência brigava contra grandes nomes do ramo, sem oferecer nenhuma diferença marcante. “Eu não tinha preparo para empreender. Nenhum. Acreditava tanto no que eu fazia que, apesar de estar dando tudo errado, eu achava que um dia daria certo”, afirma Sauanne. “Deu muita coisa errada na Go Intercâmbio.”

A empresa não sobreviveu ao segundo ano. Além das inúmeras dívidas que se acumulavam, a jovem empreendedora se viu em meio a múltiplas tarefas que, sozinha — e grávida —, não dava conta. “Quando eu vi que isso [as dívidas acumuladas] poderia comprometer o pagamento dos funcionários, decidi colocar um ponto final”, diz Sauanne.

O fim da primeira empresa impulsionou o nascimento da segunda. Quando liderou a Go Intercâmbio, Sauanne concluiu que a baixa procura por países africanos estava atrelada a dois preconceitos: considerar que os 54 países do continente formam uma coisa só, e achar que a região se resume a pobreza ou safári.

Go, Diáspora, Go
Com pouco mais de seis meses de criação, a nova empresa tira proveito das lições aprendidas na antiga. A identidade diante da concorrência está mais definida: a Go Diáspora se apresenta como uma plataforma de serviços ao intercambista, com programas de idiomas — seis meses de inglês intensivo na Namíbia custam aproximadamente R$13 mil, quase metade dos cerca de R$ 22 mil cobrados por três meses de curso em Boston —, passagens aéreas, seguro saúde e até assessoria para visto em 28 destinos, sendo 16 de origem negra, localizados na África, Caribe e América do Sul.

Em nome da clareza de propósito — aprendizado de língua estrangeira —, a agência abre mão de oferecer pacotes para lugares onde se fala português, como Angola. “Menos de 5% dos brasileiros falam inglês. A gente quer — e pode — potencializar o aprendizado de idiomas”, diz. A equipe, antes composta por seis funcionários com funções essencialmente de vendas, hoje se ampliou e diversificou: há advogados, consultores administrativos e jornalistas.

Um grande atrativo é o preço dos pacotes ofertados, em comparação com países da América do Norte e da Europa. De acordo com Sauanne, fatores como o baixo custo de vida e a desvalorização da moeda local diante do real contribuem para que um estudante possa viajar para o continente africano por metade do valor que pagaria em destinos tradicionais.

Desde o seu início, a Go Diáspora fechou 18 contratos e tem o objetivo de atingir, até o final de 2019, R$ 780 mil em vendas — seis vezes o valor do faturamento bruto do ano anterior. Nasceu pelo orgulho negro mas está aberta a todas as etnias. “Até porque, falando de negócios, eu não posso, de maneira nenhuma, me privar de algum público”, diz.


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